> Portal IG Educação, 23/04/2011
"Não se pode ensinar tudo", diz especialista português
Para Antonio Nóvoa, aprovação de muitos novos conteúdos atrapalha escola no ensino do que é fundamental
Cinthia Rodrigues, iG São Paulo
Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra, na Suíça, e em História por Sorbonne, na França, o atual reitor da Universidade de Lisboa, o português Antonio Nóvoa, é considerado uma referência em ensino e aprendizado. Em suas palestras pelo mundo – e pelo Brasil - tem defendido que os conteúdos excessivos atrapalham o processo por não permitir reflexão e aprofundamento nem das novas disciplinas e nem das que já eram tradicionais. No caso dos novos temas impostos às escolas brasileiras, ele aprova a inclusão de música que julga “estruturante”. No mais, acha que o professor precisa ter formação e liberdade de escolha. Leia entrevista:
iG: Nos últimos anos, o Brasil incluiu mais conteúdos no currículo da escola básica. O que o sr. acha disso?
Antonio Nóvoa: Tudo depende do tipo de conteúdos. Não se pode ensinar tudo. O fundamental é ensinar o que é estruturante na formação de um jovem, o que lhe permite ler e analisar o mundo, o que lhe permite continuar a aprender, o que lhe dá as bases para uma educação pela vida afora.
iG: Entre os que entraram estão cultura africana e educação financeira e, em agosto, música passa a ser obrigatório.
Nóvoa: O conhecimento das culturas do mundo e, sobretudo, a capacidade de estimular o diálogo entre elas é absolutamente fundamental. Uma das grandes missões da escola é ensinar as crianças a se comunicarem umas com as outras. Mas não creio que a cultura africana, ou qualquer outra, devam ser automatizadas. O mesmo se poderá dizer da educação financeira. Situação totalmente distinta é a música. Aqui, sim, estamos perante um conteúdo que é estruturante da educação das crianças e dos jovens. A música é um elemento central da cultura e da formação das novas gerações.
iG: Como Portugal, Europa e o mundo de forma geral lidam com essa equação de ver cada vez mais conteúdos a ensinar?
Nóvoa: Ninguém lida bem com isso. Todos nos queixamos de que os programas e os currículos são excessivamente extensos. Mas todos nos dedicamos a acrescentar dia após dia mais matérias, mais conteúdos, mais disciplinas. É uma insensatez.
iG: O Brasil ampliou o tempo de educação obrigatória, que ia dos 6 aos 14 anos e agora vai dos 4 aos 17 anos. Isso significa criar condições para que todos os conteúdos sejam dados de forma adequada?
Nóvoa: Não. Esse alargamento é muito importante e acompanha as evoluções mundiais. Mas, por si só, não resolve os problemas da organização do currículo, das disciplinas e dos conteúdos a ensinar.
iG: Professores e gestores que recebem a imposição da lei podem agir de que forma para promover a melhor educação possível?
Nóvoa: Não devemos ter quaisquer ilusões. As reformas, os programas, os conteúdos, a pesquisa e a gestão escolar são muito importante. Mas nada substitui um bom professor. É por isso que os professores devem ter uma excelente formação, que lhes permita agir com autonomia e independência, e bom senso, na escolha dos meios pedagógicos e dos conteúdos de ensino. Sem liberdade dos professores não há qualquer possibilidade de melhorar a educação nas nossas escolas
Espaço para partilhar atividades musicais que acontecem nos mais diversos contextos e modos de expressão. (Dra. Patrícia Pederiva - Professora da Universidade de Brasília - Faculdade de Educação - Departamento de Métodos e Técnicas - Pesquisadora em Atividades Musicais e Educação - pat.pederiva@gmail.com)
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Escolas que já incluem música adotam estratégias diferentes
> Portal IG Educação, 23/04/2011
Escolas que já incluem música adotam estratégias diferentes
Rede estadual do Paraná fez concursos para contratar profissionais capacitados, enquanto São Paulo forma professores de arte
Cinthia Rodrigues e Luciana Cristo, iG São Paulo e Paraná
Apesar dos três anos de prazo para a entrada em vigor da obrigatoriedade do ensino de música, a maioria das redes ainda não fez adaptações. Gestores reclamavam da falta de diretrizes que devem ser anunciadas nas próximas semanas após reunião de representantes do Ministério da Educação com especialistas no assunto. O Paraná é uma das exceções. Por lá o ensino de música ocorre como conteúdo incluído na disciplina de artes, que engloba também artes visuais, teatro e dança. O departamento de Educação Básica orienta o ensino da música com a formação de uma massa crítica e o contato com melodias e harmonias de diferentes culturas. No Colégio Estadual Professor José Guimarães, em Curitiba, a professora de Artes com formação em música, dá continuidade a um trabalho iniciado há dois anos que inclui teoria, marcação rítmica e à contextualização histórico-política de determinadas canções. Os alunos se sentem à vontade tocando músicas populares brasileiras nos mais variados instrumentos. “O principal é ensinar a organização do som. O objetivo não é formar um músico, mas sim que os estudantes saibam apreciar e entender. É abrir o interesse para a área musical”, explica a professora.
Os olhares curiosos e as perguntas demonstram o interesse de estudantes. Para os jovens que já tocavam algum instrumento, a empolgação é ainda maior, como no caso de Fernando Lesniowski e Brunna Karolina de Oliveira Guimarães, ambos de 16 anos. “Eu curto rock, mas a professora também já trouxe baião e samba, por exemplo”, conta Fernando. O aprendizado também é destacado por Marcelo Augusto, de 19 anos. “Já tinha contato com outros instrumentos, mas tocava apenas de ficar olhando as notas musicais. Nunca fui de ficar olhando partitura, que foi uma coisa que nos ensinaram”, disse. Hoje, as aulas são incrementadas com instrumentos musicais fornecidos pela Secretaria de Estado da Educação. Mas os objetos não são considerados imprescindíveis. O governo paranaense informou que desde 2003 houve três concursos públicos para contratação de professores. No entanto, não esclareceu se as contratações foram suficientes.
Na cidade de São Paulo, a música foi incluída nas orientações curriculares de 2008 contemplando ritmos regionais, afro-brasileiros e indígenas. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, até o final do ano passado 24 cursos formaram 1.006 professores em linguagem musical. Porém, a pasta não identificou um trabalho que já estivesse em andamento e servisse como exemplo a ser retratado nesta reportagem.
Há também atividades fora do horário de aula comum como bandas e fanfarras, iniciação musical e apresentações eruditas que são oferecidas nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). No Rio Grande do Sul, o governo anterior fez um documento por série detalhando conteúdos musicais e objetivos. A atual Secretaria de Educação, no entanto, diz que nenhuma escola de ensino fundamental e médio adota música nas aulas.
Escolas que já incluem música adotam estratégias diferentes
Rede estadual do Paraná fez concursos para contratar profissionais capacitados, enquanto São Paulo forma professores de arte
Cinthia Rodrigues e Luciana Cristo, iG São Paulo e Paraná
Apesar dos três anos de prazo para a entrada em vigor da obrigatoriedade do ensino de música, a maioria das redes ainda não fez adaptações. Gestores reclamavam da falta de diretrizes que devem ser anunciadas nas próximas semanas após reunião de representantes do Ministério da Educação com especialistas no assunto. O Paraná é uma das exceções. Por lá o ensino de música ocorre como conteúdo incluído na disciplina de artes, que engloba também artes visuais, teatro e dança. O departamento de Educação Básica orienta o ensino da música com a formação de uma massa crítica e o contato com melodias e harmonias de diferentes culturas. No Colégio Estadual Professor José Guimarães, em Curitiba, a professora de Artes com formação em música, dá continuidade a um trabalho iniciado há dois anos que inclui teoria, marcação rítmica e à contextualização histórico-política de determinadas canções. Os alunos se sentem à vontade tocando músicas populares brasileiras nos mais variados instrumentos. “O principal é ensinar a organização do som. O objetivo não é formar um músico, mas sim que os estudantes saibam apreciar e entender. É abrir o interesse para a área musical”, explica a professora.
Os olhares curiosos e as perguntas demonstram o interesse de estudantes. Para os jovens que já tocavam algum instrumento, a empolgação é ainda maior, como no caso de Fernando Lesniowski e Brunna Karolina de Oliveira Guimarães, ambos de 16 anos. “Eu curto rock, mas a professora também já trouxe baião e samba, por exemplo”, conta Fernando. O aprendizado também é destacado por Marcelo Augusto, de 19 anos. “Já tinha contato com outros instrumentos, mas tocava apenas de ficar olhando as notas musicais. Nunca fui de ficar olhando partitura, que foi uma coisa que nos ensinaram”, disse. Hoje, as aulas são incrementadas com instrumentos musicais fornecidos pela Secretaria de Estado da Educação. Mas os objetos não são considerados imprescindíveis. O governo paranaense informou que desde 2003 houve três concursos públicos para contratação de professores. No entanto, não esclareceu se as contratações foram suficientes.
Na cidade de São Paulo, a música foi incluída nas orientações curriculares de 2008 contemplando ritmos regionais, afro-brasileiros e indígenas. Segundo a Secretaria Municipal de Educação, até o final do ano passado 24 cursos formaram 1.006 professores em linguagem musical. Porém, a pasta não identificou um trabalho que já estivesse em andamento e servisse como exemplo a ser retratado nesta reportagem.
Há também atividades fora do horário de aula comum como bandas e fanfarras, iniciação musical e apresentações eruditas que são oferecidas nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). No Rio Grande do Sul, o governo anterior fez um documento por série detalhando conteúdos musicais e objetivos. A atual Secretaria de Educação, no entanto, diz que nenhuma escola de ensino fundamental e médio adota música nas aulas.
Música é um de sete novos conteúdos obrigatórios nas escolas
> Portal IG Educação, 23/04/2011
Música é um de sete novos conteúdos obrigatórios nas escolas
Conselheiros Nacionais de Educação dizem que só transversalidade das disciplinas permitirá introduzi-los
Cinthia Rodrigues, iG São Paulo
Nos últimos quatro anos foram acrescentados ao currículo da educação básica mais sete conteúdos obrigatórios. Em 2007, uma lei introduziu direitos das crianças e dos adolescentes. Em seguida, em 2008, entrou história e cultura afro-brasileira e indígena. Logo depois, vieram filosofia e sociologia – estas como disciplinas para o ensino médio – e, ainda naquele ano, música. Em 2010, uma emenda somou artes regionais e um decreto estabeleceu educação financeira. Para cada novo componente foi dado um prazo de adaptação válido para escolas públicas e privadas. A obrigatoriedade do ensino de música começa no próximo mês de agosto, mas o Ministério da Educação (MEC) criou apenas este mês um Grupo de Trabalho para estabelecer a metodologia de implantação do conteúdo. Enquanto isso, algumas redes contrataram profissionais, outras investiram em projetos fora do horário de aula e a maioria ainda não se adaptou. Pela lei, não é necessária uma disciplina para música, mas apenas a introdução de conteúdos. Dessa forma, diferentes professores poderiam introduzi-la dentro ou fora do horário de aula. Liane Hentschke, professora de educação musical da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – instituição que é referência na área no País – defende que o mínimo seja um educador com formação específica e equipamentos musicais. “Dá para começar com o laboratório de informática e trabalhar softwares musicais com os quais as crianças já estão habituadas fora da escola, mas é importante ter um professor com consciência dos objetivos e que saiba introduzir outras músicas” afirma, acrescentando que depois de alguns meses também será necessário apresentar instrumentos. “É preciso ter pelo menos aparelho de som, DVD, televisão, instrumentos de percussão, de corda, tambores e chocalhos. Para usar a voz, é preciso um profissional que entenda de canto, não é só cantar”, explica. Ainda assim, ela defende que a música não ocuparia o tempo das disciplinas já existentes, pelo contrário, ajudaria a melhorar a compreensão delas. “Contribui para as capacidades de leitura, comunicação, sociabilidade, ouvir o outro, lógica, interpretação e ainda pode ser uma forma de incluir deficientes diversos”, argumenta.
Solução é integrar - A integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), Clélia Brandão, lamenta que o estabelecimento de obrigatoriedade seja traduzido como um imposição de um componente sem conexão com os demais. “A música é fundamental desde a Grécia antiga e queríamos garantir que ela fizesse parte da formação dos jovens, ela agrega e serve para tornar a escola atraente. Agora vemos redes pensando no que dar de forma isolada, por série ou fora do contexto das outras áreas, isso é um modelo falido”, diz. Para ela, a música deveria integrar turmas diferentes e fazer parte de projetos com conteúdos de várias áreas. “A gente tem sido tradicionalista, tratando o aprendizado como uma série de pedacinhos, isso torna difícil acrescentar algo novo, a sonoridade deveria ajudar a unir e não entrar como outro conteúdo separado”. Ela espera que a equipe formada este ano possa esclarecer este “mal entendido”. “A escola tem que ousar ou estamos perdendo tempo.”
Outro conselheiro, José Fernandes Lima, critica a criação de muitos conteúdos novos. Relator de uma proposta de mudança no ensino médio que daria autonomia às escolas para montar suas grades curriculares, ele diz que os conteúdos devem ser dados de forma integrada e que o próximo passo seria tornar mais difícil a imposição de componentes. “Precisa estabelecer que direitos humanos são conteúdo? E educação a favor da diversidade? São coisas que a escola precisa ensinar pelo exemplo e o tempo todo, casos assim não devem ser colocados como componentes sob o risco de serem tratados apenas na aula específica do assunto.”
Música é um de sete novos conteúdos obrigatórios nas escolas
Conselheiros Nacionais de Educação dizem que só transversalidade das disciplinas permitirá introduzi-los
Cinthia Rodrigues, iG São Paulo
Nos últimos quatro anos foram acrescentados ao currículo da educação básica mais sete conteúdos obrigatórios. Em 2007, uma lei introduziu direitos das crianças e dos adolescentes. Em seguida, em 2008, entrou história e cultura afro-brasileira e indígena. Logo depois, vieram filosofia e sociologia – estas como disciplinas para o ensino médio – e, ainda naquele ano, música. Em 2010, uma emenda somou artes regionais e um decreto estabeleceu educação financeira. Para cada novo componente foi dado um prazo de adaptação válido para escolas públicas e privadas. A obrigatoriedade do ensino de música começa no próximo mês de agosto, mas o Ministério da Educação (MEC) criou apenas este mês um Grupo de Trabalho para estabelecer a metodologia de implantação do conteúdo. Enquanto isso, algumas redes contrataram profissionais, outras investiram em projetos fora do horário de aula e a maioria ainda não se adaptou. Pela lei, não é necessária uma disciplina para música, mas apenas a introdução de conteúdos. Dessa forma, diferentes professores poderiam introduzi-la dentro ou fora do horário de aula. Liane Hentschke, professora de educação musical da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – instituição que é referência na área no País – defende que o mínimo seja um educador com formação específica e equipamentos musicais. “Dá para começar com o laboratório de informática e trabalhar softwares musicais com os quais as crianças já estão habituadas fora da escola, mas é importante ter um professor com consciência dos objetivos e que saiba introduzir outras músicas” afirma, acrescentando que depois de alguns meses também será necessário apresentar instrumentos. “É preciso ter pelo menos aparelho de som, DVD, televisão, instrumentos de percussão, de corda, tambores e chocalhos. Para usar a voz, é preciso um profissional que entenda de canto, não é só cantar”, explica. Ainda assim, ela defende que a música não ocuparia o tempo das disciplinas já existentes, pelo contrário, ajudaria a melhorar a compreensão delas. “Contribui para as capacidades de leitura, comunicação, sociabilidade, ouvir o outro, lógica, interpretação e ainda pode ser uma forma de incluir deficientes diversos”, argumenta.
Solução é integrar - A integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE), Clélia Brandão, lamenta que o estabelecimento de obrigatoriedade seja traduzido como um imposição de um componente sem conexão com os demais. “A música é fundamental desde a Grécia antiga e queríamos garantir que ela fizesse parte da formação dos jovens, ela agrega e serve para tornar a escola atraente. Agora vemos redes pensando no que dar de forma isolada, por série ou fora do contexto das outras áreas, isso é um modelo falido”, diz. Para ela, a música deveria integrar turmas diferentes e fazer parte de projetos com conteúdos de várias áreas. “A gente tem sido tradicionalista, tratando o aprendizado como uma série de pedacinhos, isso torna difícil acrescentar algo novo, a sonoridade deveria ajudar a unir e não entrar como outro conteúdo separado”. Ela espera que a equipe formada este ano possa esclarecer este “mal entendido”. “A escola tem que ousar ou estamos perdendo tempo.”
Outro conselheiro, José Fernandes Lima, critica a criação de muitos conteúdos novos. Relator de uma proposta de mudança no ensino médio que daria autonomia às escolas para montar suas grades curriculares, ele diz que os conteúdos devem ser dados de forma integrada e que o próximo passo seria tornar mais difícil a imposição de componentes. “Precisa estabelecer que direitos humanos são conteúdo? E educação a favor da diversidade? São coisas que a escola precisa ensinar pelo exemplo e o tempo todo, casos assim não devem ser colocados como componentes sob o risco de serem tratados apenas na aula específica do assunto.”
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